História de Mestre Pastinha

Quem Foi Mestre Pastinha?

         Esta pergunta sugere uma linda história, real, vivida por um heróico personagem que aos 75 anos de existência conservava a mente e agilidade física de um jovem, impressionando, vivamente, aqueles que tiveram a ventura de o ver “jogar Capoeira” com os seus discípulos.
         Junto de Mestre Pastinha nos sentimos contagiados do seu entusiasmo religioso pela Capoeira Angola que, desde menino, pratica com rara devoção e quando a ela se refere nota-se em seu olhar um brilho estranho que traduz a alegria que me vai na al­ma, como se falasse da razão de ser de sua própria vida.
         A prática da Capoeira Angola exerceu na personalidade de Mestre Pastinha um irresistível fascínio que o transformou - num verdadeiro predestinado para o ensino desta modalidade esportiva que praticada em obediência a seus ensinamentos pode contribuir, poderosamente, para o equilíbrio psico—físico do homem.
         Vicente Ferreira Pastinha — este é o seu nome de batismo.
         Nasceu. a 5 de Abril de 1889, na Cidade do Salvador.
         Fala-nos com palavras impregnadas da mais pura gratidão acerca de Mestre Benedito, um negro natural de Angola com o qual iniciou a prática da Capoeira e, nessa época, o menino Vi­cente Pastinha contava 10 anos de idade.
         É de impressionar, com que lealdade e abnegação, Mes­tre Pastinha mantinha o ensino da Capoeira Angola, em sua pureza original, tal como a recebeu dos mestres africanos, não per­mitindo, em sua Academia, que fôsse deformada com a introdução de práticas próprias de outros métodos de luta, sendo, por tal procedimento, reconhecido como o legítimo representante da Capoeira Angola na Bahia e no Brasil a cujo folclore, seu nome, estará eternamente ligado.
         A história de Mestre Pastinha é longa, em grande par­te, uma luta contra as adversidades - será assunto para um livro que nos contara sua vida que se confunde com a história da Capoeira na Bahia.
         Portanto vale destacar a figura do Mestre Pastinha, pelo muito que contribuiu para maior difusão da capoeira e por ter sido o mais antigo e famoso mestre-capoeira da Bahia, conhecido em quase todo o Brasil e também no exterior, na África, onde juntamente com seus discípulos e acompanhado de alguns mestres, por ele convidados, representou. o Brasil no I Festival de Arte Ne­gra, em Dakar. Foi também o fundador da primeira Escola de Ca­poeira, em 1910, localizada no Campo da Pólvora.
         A respeito do seu ingresso na capoeira, ele nos contava assim:
         “Quando eu. tinha dez anos de idade, eu era franzininho, outro menino, mais taludo que eu tornou-se meu rival. Era só eu sair para a rua, ia fazer compras por exemplo e a gente se pegava em briga. Só sei que acabava apanhando sempre. Contava ainda o tal menino com o apoio de sua mãe, que o incentivava a bater mais. Ao voltar para casa eu. ainda apanhava pela segunda vez, de minha madrinha, por causa da demora em trazer as compras ou por estar com a roupa rasgada. Então eu ia chorar de vergonha e tristeza. Um dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a briga da gente. “Vem ca meu filho”, ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de apanhar. “Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade, O tempo que você perde empinando arraia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui. Ele arrastava os móveis da sala e deixava um espaço livre onde me ensinava a jogar capoeira, todo dia uma pouco e aprendi tudo. Ele costumava dizer: “Não provoque, menino, vai botando de vagarzinho ele sabedor do que você sabe”. Um ano depois encontrei o me­nino na rua. Ele então me perguntou: “Estava viajando ou estava se escondendo cora medo de mim?” Eu então lhe respondi: Estava com medo. A mãe do menino já se encontrava na porta, sorrindo divertida, esperando o início do espetáculo, quando seu filho ven­ceria novamente a batalha. Mas, para sua surpresa aconteceu ao contrário. Assim que o menino levantou a mão para desferir a pancada, com um só golpe, mostrei-lhe do que eu era capaz. E aca­bou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito. “O velho africano chamava-se Benedito e quando me ensinou o jogo tinha mais idade do que eu hoje”.
         Muitos anos depois, em 1941, numa tarde de domingo, um ex-aluno do Mestre Pastinha de nome Aberrê, de Santo Amaro da Purificação, convidou-o para acompanhá-lo ao bairro da Liberdade, na Ladeira das Pedras, no Gingibirra, onde se formava todos os domingos uma roda de capoeira. Lá se encontravam os maiores mes­tres da Bahia. Mestre Pastinha aceitou o convite e passou a tar­de a “vadiar” e assistir aos outros mestres, inclusive o seu ex- aluno Aberrê, que já era famoso no local. No fim da tarde, eles se reuniram e era nome de todos os mestres ali presentes, um dos maiores mestres da Bahia, de nome Amorzinho, entregou a capoeira angola ao Mestre Pastinha, para que ele tomasse a frente e a colocasse em seu devido lugar. Diante do acontecimento ele fundou o Centro Esportivo de Capoeira Angola, registrando-o em 1952, favorecendo com isso, para o desenvolvimento da Capoeira Angola na Bahia.
         Em sua Academia, anteriormente situada no Largo do Pelourinho n. 19, onde hoje funciona o SENAC, e posteriormente na Rua Gregório de Matos n. 51, atualmente fechada após o seu fale­cimento, além do ensino da capoeira, ajudado pelos seus dois ex-alunos, João Grande e João Pequeno, Mestre Pastinha nos ensinava como deveríamos nos portar em certas dificuldades que a vida nos proporcionasse, além de outros ensinamentos apreendidos com a sua larga experiência na vida. Foi também grande capoeirista, talvez o melhor que a Bahia já conheceu, gingava de um modo que ninguém nunca conseguiu imitá-lo.